Entrevista com Eleandro José Brun

15/11/2022

Foto/Reprodução: Arquivo Pessoal


Entrevista com o professor Eleandro José Brun

Por Gabriela Ukracheski

Confira abaixo, na íntegra, uma entrevista com o Professor Eleandro José Brun, que possui graduação em Engenharia Florestal pela Universidade Federal de Santa Maria (2002),Mestrado (2004) e Doutorado (2008) pela mesma instituição, com período sanduíche na Universidade de Freiburg-Alemanha. Desde 2002, atua como consultor na área de florestas nativas e plantadas, em trabalhos voltados à conservação e produção de bens florestais madeireiros e não madeireiros, incluindo avaliação de florestas quanto ao potencial de acúmulo de biomassa e sequestro de carbono. Desde 2008 é professor da UTFPR Câmpus Dois Vizinhos/PR, nos cursos de Engenharia Florestal, Educação do Campo, Agronomia e Zootecnia, com atividade docente voltada à silvicultura de espécies florestais nativas e exóticas em sistemas puros e integrados de produção(SAFs).

Sabe me dizer quando a agrofloresta chegou no Paraná?

Eleandro: Essa é uma questão muito relativa. Se pensarmos agrofloresta dentro de uma concepção histórico-cultural, ela existe há muitos anos, desde antes mesmo da criação oficial do estado do Paraná ou na sequência deste, pois já era praticada pelos colonos que ocupavam o território do estado e pelos povos caiçaras e quilombolas, com a criação de animais e cultivo de pequenas "roças" dentro da floresta ou em pequenas áreas desmatadas/queimadas.

Conceitualmente, essa forma de cultivar a terra, criar animais e produzir alimentos pode ser enquadrada como uma agrofloresta, pois as árvores geram benefícios às culturas e animais, tanto pela amenização do calor excessivo do sol, barramento dos ventos frios do inverno, manutenção da umidade e a incorporação de nutrientes ao solo, através da ciclagem de nutrientes.

A agrofloresta "moderna", que leva em conta conceitos diversos de ecologia florestal aplicada, tais como a sucessão vegetal, na ciclagem de nutrientes, a convivência flora e fauna nativas com espécies cultivadas, uma agricultura de processos e de menos insumos externos e, também, uma produção diversificada de produtos e serviços, é algo relativamente recente na maioria dos casos, com poucas décadas de prática, mesmo nos casos mais antigos.

A resistência dos agricultores em adotar esse método está embasada no fato de que o modelo é "mais lento" que os outros métodos agrícolas convencionalmente utilizados?

Eleandro: A percepção de tempo, nestes casos, deve levar em conta também o "custo" ambiental que pagamos, estamos pagando e ainda pagaremos pela relativa maior velocidade de produção que pode ter sido proporcionada pela agricultura convencional, porém a um custo elevado de uso de insumos, muitos deles danosos à natureza, tais como os agrotóxicos, principalmente quando usados em demasia ou aplicados de maneira incorreta.

Mesmo que muitos agricultores (a maioria) ainda estejam atrelados a uma concepção de que a agricultura intensiva precisa ser necessariamente monocultural e focada em insumos externos, já existem muitos resultados de pesquisa e exemplos que mostram que a produção diversificada e baseada em preceitos ecológicos pode ser tanto ou mais produtiva do que a agricultura tradicional, mas ela precisa ser acompanhada da aplicação de conhecimentos sobre processos ecológicos de produção, os quais imitem ao máximo a natureza, levando em conta a presença da floresta nos sistemas de produção e todos os benefícios que as árvores trazem aos sistemas de produção, reunindo árvores, arbustos, plantas anuais, forrageiras, assim como plantas de cobertura e fixadoras de nutrientes, tais como o nitrogênio, para o qual temos uma "fábrica natural" via fixação biológica e pouco a aproveitamos, preferindo, muitas vezes, adquirirmos insumos artificiais com esse elemento do que pensarmos um sistema ecológico de produção com a presença de plantas, tais como da família das Fabaceae, capazes desta fixação.

O retorno econômico é proporcional ao da agricultura convencional?

Eleandro: O retorno econômico de sistemas agroflorestais é algo que depende muito da concepção do mesmo, das espécies que o compõem, dos objetivos do agricultor, do manejo que é realizado e das concepções técnicas e tecnologias aplicadas.

Existem muitos casos em que a rentabilidade é superior, em médio e longo prazo, em sistemas agroflorestais, quando comparados aos sistemas tradicionais, uma vez que uma agrofloresta produz de forma diversificada e em várias épocas do ano.

Sistemas Agroflorestais sucessionais (Agrofloresta) podem produzir grãos diversos (pelo menos 2 ao ano), cucurbitáceas (abóbora, melancia, pepino etc.), batatas em geral, mandioca, hortaliças, fruteiras diversas, de porte herbáceo, arbustivo e mesmo arbóreo, de diversas espécies, assim como espécies arbóreas que podem produzir frutas, cascas, folhas, madeira, entre outros diversos produtos. Espécies medicinais também são opção numa agrofloresta, dependendo do mercado regional.

Além disso, um sistema diversificado permite ainda a criação de abelhas (com e sem ferrão), além de outros animais, tais como galinhas, as quais são também importantes numa eventual necessidade de controle de pragas que possam ocorrer.

Por tudo isso, um sistema agroflorestal bem planejado e tecnicamente acompanhado pode produzir mais alimentos, energia e madeira do que outros sistemas convencionais, além de diversificar a renda do produtor, que terá diversas entradas anuais de recursos financeiros, e não somente 2 ou 3 como em um sistema convencional.

Você acredita que ainda há uma falta de disseminação dessa prática para o público de pequenos até grandes agricultores?

Eleandro: Sim, os conhecimentos sobre sistemas agroflorestais precisam ser muito mais disseminados. Muitos agricultores, mesmo tendo histórico familiar do uso de sistemas agroflorestais antigamente, "esqueceram" como se faz, mesmo que de forma rudimentar como era feito, e hoje não tem mais na floresta uma referência de produção, somente de cumprimento de leis de proteção. Há diversos espaços, na propriedade rurais, que podem comportar uma agrofloresta, tais como a Reserva Legal e, inclusive, as áreas de preservação permanente (APP) na pequena propriedade rural.

Entre os médios e grandes agricultores, muitos acreditam que sistemas agroflorestais somente são viáveis em pequenas áreas, o que não é verdade, desde que tecnologias de máquinas e equipamentos sejam adaptados para a implantação, manejo e tratos culturais de sistemas agroflorestais. Já existem exemplos, no Brasil, de sistemas agroflorestais em áreas maiores.


Conheça o projeto agroflorestal Fazenda da Toca Orgânicos, em matéria do programa da rede Globo "Globo Rural" parte 1 e 2.

Parte 1: https://www.youtube.com/watch?v=IeO0Q8lJvKg

Parte 2: https://www.youtube.com/watch?v=W_Z6n2hGiXo


No Paraná, são catalogados quantos projetos agroflorestais?

Eleandro: O único levantamento oficial em que aparece a categoria "Sistemas Agroflorestais" é o censo agropecuário do IBGE (2017). Os dados podem ser consultados no site oficial do Censo: https://censoagro2017.ibge.gov.br/

Além disso, sabe-se que são diversas as iniciativas, em todas as regiões do estado, principalmente no Vale do Ribeira, Centro Sul, Litoral, Norte, Noroeste, Oeste e Sudoeste do Paraná, porém, ainda não existem estimativas confiáveis quanto ao número de projetos instalados no estado.

Algumas informações a mais podem ser obtidas em: https://tede.unioeste.br/bitstream/tede/5085/2/Joao_Martinelli_2020.pdf

É possível aplicar os princípios agroflorestais no quintal de casa? Numa horta?

Eleandro: Sim, em pequena escala, um quintal agroflorestal pode ser uma excelente alternativa para a produção de alimentos, mesmo no meio urbano. Hortaliças em geral, cucurbitáceas, batatas, feijões, milho, pipoca, fruteiras de pequeno porte ou mesmo médio e grande, assim como árvores para sombra e floração, dependendo do tamanho do quintal. Mesmo no meio urbano, obedecendo a legislação municipal pertinente, é possível a criação de pequenos animais, como abelhas sem ferrão, produzindo mel de grande valor agregado.

A cada metro quadrado de um quintal, todos os meses, pode-se produzir muitos alimentos para uma família, uma vez que diversas hortaliças têm ciclo curto, podendo ser colhidas em poucos meses ou menos de um mês (alface).

Na sua visão, a agrofloresta representa uma saída para a exploração dos recursos naturais?

Eleandro: Eleandro Sim, produzir alimentos e produtos madeireiros para as mais diversas finalidades dentro da propriedade rural ou mesmo urbana (dentro de uma concepção atual de agricultura urbana), seja para consumo próprio ou para venda, é uma maneira excelente de atender às demandas da sociedade, de uma forma que cause baixo impacto à natureza.

"Explorar recursos naturais" é uma expressão que deve ser abandonada no dicionário da sustentabilidade. Temos que passar a adotar o manejo de recursos naturais, dentro de uma lógica de que "conservar é saber usar" e, assim, manter as necessidades das pessoas dentro de uma concepção ecológica e sustentável.

Todas as pessoas que trabalham com agricultura e pecuária devem voltar os seus olhos para a reinserção da floresta nos sistemas de produção. A volta da árvore e da biodiversidade aos sistemas de produção de alimentos, fibras e energia é algo urgente e que precisa nortear a formação de profissionais nas próximas décadas, enfatizando-se aqueles que saibam manejar corretamente o componente arbóreo em sintonia com as demandas ecofisiológicas das plantas agrícolas e frutíferas, de forma que a interação entre os componentes dos sistemas agroflorestais represente ganhos de produção e de prestação de serviços ecossistêmicos nas áreas de produção de alimentos.

Mais informações também podem ser obtidas em: https://acef.org.br/video-aulas/eng-ftal-eleandro-brun-xiv-simposio-florestal-catarinense/


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